Estava escuro...e depois, depois começou a ouvir-se aquele som, estranho porque quase inaudível, estranho porque tão familiar, estranho porque apetecia pegar num despertador japonês daqueles que a Mafalda contou e atirá-lo contra um vidro gigante. Sim, um vidro gigante, para poder ter o prazer de ouvir o estilhaçar infinito de um vidro gigante, e depois?
Bom, mas o som estava lá e não parava e no meio de pensamentos explosivos, estica-se um dedo do cérebro e faz-se deslocar essa ideia até um minúsculo círculo que se ri desbaragada e provocadoramente para nós...assim mesmo, no meio do escuro e do som quase inaudível, quase um nada. Daqueles nadas que mexem connosco, que nos fazem tamborilar com os dedos na mesa, ou na pessoa mais próxima, ou nos dentes, ou morder o lábio assim tipo só mordiscar, sem morder mesmo...só para deixar passar o nervoso miudinho que se instala com o quase nada que nos irrita,enerva,imbeciliza...Isto por causa do som, que nem era bem um som, era assim um quase, um seni, um mais ou menos...como algumas pessoas, sabem? que são assim-assim...e as pessoas assim-assim dão um aperto nas cordas vocais que se entrelaçam eembaraçam para não gritarem de dentro, do fundo (assim tipo do fundo de uma gravata com onó apertadinho, apertadinho), de trás: asssim-assim não é nada, e se não é nada nem sequer chega a enervar como os nadas pequeninos que se riem de dentro de círculos desavergonhados no meio do escuro!
Assim-assim e ver a vida passar no autocarro que acabámos de perder porque o gajo do carrão não parou na passadeira! assim-assim é comer torradas queimadas e barrá-las de quilos de uma porcaria qualquer a fingir que estão no ponto! Assim-assim é cor de burro-quando-foge e ninguém quer ser cor de-burro-quando-foge, porque isso não é cor é...assim-assim!Assim-assim é viver ontem a pensar que é o futuro e dizrer que não tivemos tempo só porque não quisemos nem pensar nisso, quanto mais ligar à fulana a saber da mãe que foi operada às cataratas depois de ter partido o frasco do azeite a pensar que era óleojohnson! Assim- assim é viver uma eterna do de cabeça e virar-se ó lado e apagar a luz, porque ai as contas, ai os miúdos, ai a maria da secretária ao lado que é uma cabra mas o chefe vai promovê-la, porque nem se pode olhar pa quem ali está a fingir também que dorme a manhã vai ter com a outra e chamar-lhe amor eterno da quinzena!
Assim-assim é sorrir amarelo quando queremos mandar o mundo Às urtigas e aoutra da saia amarela, estúpida que bem que lhe fica e o sacana do Sousa que tem uma gravata de marca e todos lha elogiam e para mim ninguém olha sequer...assim-assim é um dia que nem é cinzento, nem deixa de ser, nem chove nem deixa chover, nem sai nem fez a depilação e depois o que é que a Marta vai dizer, meudeus?, nem fica em casa porque tá farta da cor das paredes (cor-de-burro-quando foge, já se vÊ)...
Assim-assim é o som quase inaudível, quase nada, quase familiar que desperta às cinco da matina e só apetece enrolar numa porra duma gravata (a do Sousa, sim!) e atirar pla janela, para acertar na cabeça do gajo que fez o boneco do círculo e que serve para desligar o cínico do despertador...Assim-assim é viver a fingir e ouvir o barulho do quase nada uma vida inteira, sem ter coragem de dizer ao Sousa que a gravata que ele tem fui eu que escolhi, depois de ter acordado e desligado o quase nada da mesa de cabeceira da mulher dele a meio de uma tarde azul sem dores de cabeça...que vida esta!
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2 comentários:
Quem sois?
Sofia Menezes de Gravata. hehehehe
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